A ROTA DO CHÁ
O que se faz com o mínimo e quando esse mínimo se torna maior pela repetição e acúmulo.
Essa é a essência dos trabalhos aqui apresentados. O que começou com um simples guardar de saquinhos de chá consumidos diariamente para depois se tornar adubo das plantas de casa começaram a ganhar um novo olhar em 2021 quando fiz um pequeno trabalho para o curso de colagem, sob orientação de Pedro Varela, do Parque Lage.
Esse pequeno trabalho, de cerca de 60 cm de largura, foi ampliado em 2022 para o Acompanhamento Crítico na Casa da Escada Colorida, chegando a 108 x 94 cm. Durante esse processo diário de consumir, secar, desdobrar e colar os saquinhos de chá, foram acrescentados outros entendimentos no sentido do ritual do consumo do chá como uma cerimônia, pessoal e particular.
À medida que o trabalho ia crescendo, foi surgindo em minha percepção uma identificação com o trabalho Manto da Apresentação do Bispo do Rosário. As semelhanças não são diretas, mas se considerar o contexto da execução dos trabalhos, as semelhanças aparecem, talvez por isso eu tenha criado essa identificação. Ambos os trabalhos foram criados com os recursos disponíveis em um período de isolamento. Neste sentido, as linhas utilizadas por Bispo do Rosário e meus saquinhos de chá se assemelham.
Mas a história segue com as trocas e o ritual da Cerimônia do Chá para o Manto da Apresentação. Foi produzida uma performance para Casa da Escada Colorida. A sequência de saquinhos de chá impressos a laser registra a performance feita no Instagram em 7 dias em que meu consumo diário de chá e o preparo do material para o Manto da Apresentação foi registrado. Nada além de um chá por dia. A ação performática durou 7 dias, todas as manhãs, e o ritual milenar da cerimônia do chá se adapta aos dias de hoje.
O suporte utilizado para os trabalhos Manto da Apresentação e Rota do Chá possuem uma escolha insólita, um recurso doméstico disponível, que não seria pensado se não fosse o isolamento social contemporâneo. Os lenços de poliéster utilizados para lavar roupa, se acumulam sem destino senão o lixo. Essa angústia do descarte associada a necessidade/vício de encontrar um outro olhar para os objetos, trouxe a combinação desses dois materiais, deu certo, segui em frente.
Aquilo que pareciam ser obras isoladas ganham um contexto mais amplo e histórico com os trabalhos. Buscar os vínculos e as relações, que somente aparecem com o trabalho diário, surgiu a ligação dos trabalhos com a Rota do Chá.
A Rota do Chá é uma das rotas comerciais mais antigas da humanidade, existe até hoje em diferentes formatos e localidades. São rotas, ou seja, caminhos tortuosos pelo mundo e no meu caso pela imaginação, é um trabalho lento, um caminho diário, um chá consumido e colado diariamente, não tem começo e que também não tem fim. Aquilo que era mínimo se tornou uma rotina ritual e um elemento de reverência ao espiritual e ao material que se encontraram no isolamento da imaginação com as trocas possíveis dos dias de hoje.